Segundo José Saramago, “fisicamente habitamos um espaço, mas sentimentalmente, somos habitados por uma memória”. Para aqueles que moram nas grandes cidades, essas memórias passam de forma mais ou menos subjetivas pelas lembranças da malha urbana, do barulho, as aglomerações, o símbolos e sinais, e claro, o concreto que transforma as paisagens, manipula as escalas. Pensar então na memória convertida em imagem fotográfica, a partir dos gráficos que se formam da cidade, é um exercício tão estético quanto filosófico.
Essa exposição reuniu os maiores nomes da fotografia de moda nacional, olhando o aspecto autoral de suas produções. É entender o que grandes profissionais pensam, usando a fotografia, mas com uma outra busca de imagem. O mais interessante é perceber que as interpretações são de fato bem diferentes e pessoais, mas que estabelecem inúmeros diálogos entre elas.
E essa fotografia gráfica, que remete a um dos momentos mais importantes da produção criativa brasileira, o modernismo, aparece nos trabalhos de Gui Paganini e Gustavo Zylberstein. Denotam neles a questão da repetição das formas e as linhas curvas, características fundamentais do nosso maior modernista, Oscar Niemeyer, para quem as curvas do corpo feminino eram a grande inspiração. Nesse sentido, o trabalho de Miro é uma ode às linhas do arquiteto, quase a humanização do Copan, maior estrutura em concreto da América Latina e um dos grandes símbolos gráficos de São Paulo.
Já nas imagens de Bob Wolfenson existe um entendimento entre homem e cidade, a escala imposta e as aglomerações. As figuras estão sempre de costas, não se veem seus rostos, nãos as conhecemos, não há reflexão a ser feita sobre essas pessoas. O mesmo acontece no trabalho de Paulo Vainer, onde a sensação de multidão e deslocamento atinge um nível quase abstrato, flash de memória. Ambos tratam da massificação que as metrópoles exercem, a sensação de mais um na multidão.
Por fim temos o ruído. Em Gil Inoue ele é gráfico, caótico, quase se pode sentir a frequência e tensão das suas imagens. Em dois trabalhos de Jacques Dequeker esse ruído vem em forma sutil, vibração visual na qual a noção de barulho ( ou som ) é presumida. O seu terceiro trabalho exposto, a foto de um edifício, é geométrico e silencioso. O mesmo silêncio se repete nas fotos de Vânia Toledo, em um tom ainda mais alto, que se aproximam da pureza japonista. Entretanto, as fotos são de elementos na estação do metro São Bento e do Teatro Municipal, ambos em São Paulo.
Talvez essa seja a síntese da exposição, a grafia urbana que não é geográfica e sim emocional. Em Cidades Invisíveis, Italo Calvino diz: “Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá”. Através da visão destes artistas, essa exposição busca ser o fio condutor para que cada expectador possa rever seus próprios registros, descobrir quais gráficos ficaram armazenados no inconsciente.
Curadoria Paulo Azeco - 2017
21.08.2017
Postado por: Micasa
Categoria: Arte
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